Uma das minhas incursões como empresário rural foi como criador de galinhas de postura. Acreditei, por alguns meses, que neste empreendimento estaria a minha redenção financeira. Se este objetivo primordial não foi atingido, aprendi muito com estas aves, inclusive sobre dinâmica de comportamento social.
Tínhamos como que 15 galos convivendo com as galinhas, cerca de 300, e começamos a observar que havia um dentre eles que era demasiado violento. Nos atacava sempre que entravamos no galinheiro, o que por vezes era até perigoso. Não nos restou outra alternativa a não ser manda-lo para a panela. O interessante disto é que não se passaram 2 dias até que começássemos a observar que havia outro galo que nos atacava. E a cada galo que eliminávamos um outro começava a cumprir aquele papel de ser o agressivo da turma.
Conversando com especialistas, não se mostraram minimamente surpreendidos. O estudo do comportamento animal nos mostra exatamente que nestes casos não se trata de um galo que geneticamente tenha códigos que o tornam violentos e os outros não. A maneira como esta comunidade, no caso de galinhas, é organizada, é que gera a necessidade de que um assuma este papel. Será como que um protetor do grupo e terá algumas regalias por isto, como comer mais. Milho ou galinhas.
Podemos transpor estes conhecimentos para nossa sociedade. Afinal, se em termos de organização individual, segundo o evolucionismo, estamos alguns milhões de anos na frente, em termos de estrutura social eu não me arriscaria a fazer uma comparação. Tenho medo de perder para as galinhas.
Na década de sessenta foi lançado um livro por um sociólogo francês que se intitulava “Os dois Brasis”. Fez muito sucesso e todos nós já ouvimos falar de que vivemos em uma “Belíndia”. O que não podemos é nos enganar com as falsas preocupações de como faremos para que a nossa porção “Índia” chegue a condição de “Bélgica”. Afinal esta possível Bélgica não sobreviveria sem o suporte desta provável Índia. Mais recentemente o mesmo discurso foi globalizado e atualizado com o termo “excluídos”. Teríamos agora uma parcela da população que estaria fora de qualquer possibilidade de integração no processo produtivo. Dentro desta linha de raciocínio, a solução, lógica e cruel, para este problema econômico, seria a eliminação desta camada social. Matando-os ou evitando que se reproduzam, o que gera o mesmo resultado final.
Da mesma maneira que com os galos, poderíamos conversar com especialistas. Alguns não se mostrariam minimamente surpreendidos. O estudo da nossa estrutura social nos mostra exatamente que nestes casos não se trata de homens que geneticamente tenham códigos que os tornam menos capazes de trabalhar e acumular que os outros. A maneira como esta comunidade, no caso de humanos, é organizada, é que gera a necessidade de que um grupo assuma este papel. Será como que uma reserva estratégica do grupo e terão alguns problemas por isto, como não comer. Milho ou galinhas.
Entre os galos, para cada dominante que surge há os correspondentes dominados. Da mesma forma que podemos imaginar, em nossa estrutura social, uma correspondência entre a acumulação dos integrados e a presença dos excluídos. Para cada excluído eliminado, e o são aos milhares, todos os dias, novos surgirão como que por milagre, sustentando na base uma estrutura que deles não pode prescindir. Não nos enganemos. Por mais distante que muitos de nossos pares estejam da possibilidade de produção e consumo, a eliminação destes não eliminaria sua necessidade e sua função social. O que é ainda mais cruel do que a solução proposta. É a dura, para alguns, realidade, em função da maneira como elegimos estruturar nossa sociedade.
abril 1997
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